RELEVÂNCIA CRESCENTE DO
OCEANO ÁRTICO
Henrique Reinaldo Castanheira
Sara Peralta
O aquecimento global e o consequente degelo estão a
redesenhar a geoestratégia do Ártico, permitindo o desenvolvimento de uma série
de atividades económicas ligadas à exploração dos recursos naturais do Círculo
Polar, com enfoque para o petróleo, gás natural, minerais (cobre, níquel,
ferro, por exemplo), reservas haliêuticas, e naturalmente, a possibilidade de
se estabelecerem duas novas rotas marítimas entre a Europa do Norte e a Ásia, e
entre a América do Norte e a Ásia. Essas rotas são a Northern Sea Route (ou também conhecida como Northeast Route), que segue o norte do litoral euroasiático, em
média 40% mais curta que a Rota do Suez, e a Northwest Passage, entre a América do Norte e a Ásia - a norte do
Canadá e do Alasca - reduzindo a Rota do Panamá em cerca de 4000 km.
Desde 1979, o Ártico perdeu 20%
da sua superfície gelada num processo que poderá culminar com o desaparecimento
da calota polar em 2070[1]
(segundo um estudo da Universidade de Bergen). Em 1987, o gelo ártico cobria
uma superfície de 7,5 milhões de km2. Em 2007, esta área diminuiu
para 4,1 milhões de km2 permitindo, pela primeira vez, a abertura da
Northwest Passage à navegação,
ligando o Pacífico ao Atlântico. Circunstância que reduz em 40% a distância
marítima entre o Noroeste Asiático e a Europa.
O acesso ao Ártico tem gerado uma “corrida” à
delimitação de fronteiras nos países do Círculo Polar Ártico: EUA, Canadá,
Rússia, Noruega, Islândia e Dinamarca. De facto, persistem, atualmente, três
disputas fronteiriças: entre a Dinamarca (Gronelândia) e o Canadá a propósito
do ilhéu de Hans; entre os EUA e o Canadá quanto ao controlo e gestão da Northwest Passage; e entre o Canadá e os
EUA sobre a delimitação da fronteira marítima no Mar de Beaufort.
O interesse geoestratégico pela
região do High North prende-se, para
além do ganho de tempo e diminuição dos custos relativos à navegação, com a
importância dos recursos naturais estratégicos: o Ártico concentra cerca de 25%
das reservas mundiais de hidrocarbonetos (na sua maioria localizadas no Ártico
russo, nomeadamente na ilha Sakhalina e no mar de Barents). Explorações estão
em curso na Nova Zemble (Rússia), Svalbard (Noruega), em Beaufort e no Delta do
Mackenzie (Canadá). O primeiro fluxo industrial de gás natural do Ártico deverá
começar a fluir ao mercado internacional em 2013-14, a partir dos offshores do mar de Barents e do mar de
Kara.
As disputas fronteiriças
existentes devem ser abordadas à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (1982). Com efeito, a Convenção, também conhecida como a
Convenção de Montego Bay, permite aos países que possuam frente marítima
estenderem os seus direitos de exploração de recursos naturais além das 200 milhas
(Zona Económica Exclusiva/ZEE). No entanto, tal pressuposto só assiste os
países que forneçam provas científicas de que esta extensão constitui o
prolongamento natural da sua plataforma continental.
Em 2007, um grupo de
exploradores russos colocou no fundo do mar uma placa de titânio com a
inscrição de que o Pólo Norte era território russo. Este gesto político, sem
consequências jurídicas à luz do direito internacional atual gerou, no entanto,
alguns protestos por parte dos restantes Estados árticos. Já em setembro de
2008, o então Presidente russo Medvedev reafirmou a intenção em estender a
plataforma continental para além das 200 milhas náuticas, à margem do processo
em curso, desde 2001, em sede das Nações Unidas, na Comissão para os Limites
das Plataformas Continentais (CLCS). As provas geofísicas da pretensão russa
foram apresentadas à CLCS, reivindicando toda a cordilheira marítima de
Lomonossov. Tal pressuposto chocou com as reivindicações da Dinamarca das águas
e solo oceânico a partir da Gronelândia, até a latitude “0”. Situação paralela
ocorre entre o Canadá e a Noruega, com Oslo a contestar os fundos marinhos da
região de Svalvarg.
Contudo,
a falta de cobertura satélite e de radar, a dificuldade nas comunicações e das
missões SAR (Search And Rescue) são
aspetos que dificultam a edificação de uma arquitetura de segurança. O apoio à
navegação será vital para se poder rentabilizar as mais-valias da livre circulação
pelas rotas do Ártico. Nas recentes Artic
Ocean Conferences, os cinco países do Ártico foram sempre unânimes em
manifestarem o
seu respeito pela Convenção de Montego Bay, reconhecendo que matéria de
delimitação marítima é da exclusiva competência da CLCS. Todavia, apesar das
intenções, refira-se que os EUA não ratificaram a Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar, contrariamente aos restantes quatro Estados.
Adicionalmente, uma semana
antes de deixar o cargo de Presidente dos EUA, George W. Bush apresentou a National Security Directive nº 25, de 09
de janeiro de 2009 que, relativamente ao Ártico, aponta para um conjunto de
objetivos relacionados com a proteção ambiental; o desenvolvimento sustentável; a cooperação com as instituições
regionais e a criação de parcerias estratégicas entre as nações árticas, bem
como o envolvimento das comunidades indígenas nas decisões relativas às suas
áreas.
Esta Diretiva, ao assumir o
Ártico como domínio essencialmente marítimo, levanta restrições a algumas
pretensões territoriais dos países limítrofes (nomeadamente do Canadá). Neste
particular, a mobilidade marítima das forças navais dos EUA é inquestionável e
a Diretiva dedica-lhe um ponto específico, assumindo particular importância a
questão pendente da definição da fronteira EUA/Canadá no mar de Beaufort e o
estatuto internacional da Northwest
Passage.
Em 2008, EUA, Canadá, Rússia,
Noruega e Dinamarca assinaram a Declaração de Ilulissat, comprometendo-se a
resolverem os contenciosos por via pacífica e proteger o frágil ecossistema do
Ártico, nomeadamente através de medidas contra a poluição, proteção das
populações autóctones, cooperação científica e segurança e a necessária
cooperação com os fora regionais,
caso do Artic Council e do Barents Euro-Artic Council. Uma
cooperação mais estreita com a International
Maritime Organization (IMO) será outro dos desafios que se colocam aos
países signatários da Declaração de Ilulissat.
O acesso ao Ártico poderá
também gerar consequências para a Aliança Atlântica e passará a ser tema
recorrente nas cimeiras entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN) e a Rússia. Desde 2009 (encontro de Reyjjavik sobre Security Prospects in the High North) que os Secretários-Gerais da
OTAN vêm defendendo a prioridade dada pela Organização à segurança marítima
internacional. Porém, a OTAN nesta matéria oferece valor acrescentado
relativamente a outras organizações como o Conselho do Ártico, o Conselho de
Barents ou mesmo a IMO. Na problemática do High
North jogam-se questões de natureza civil e militar, pelo que a conjugação
de esforços proporcionaria uma complementaridade de abordagens.
Se considerarmos cenários que
impliquem uma escalada de tensões regionais, quer ao nível do acesso aos
recursos, quer à afirmação de posse sobre novas zonas territoriais, torna-se
clara a relevância dos exercícios Multiple
Futures da OTAN, bem como os fundamentos que lhe estão associados: criação
de um Centro Comum de Informação; consolidação da Força de Reação Rápida;
valorização das Forças Especiais e da Logística Multinacional, conceitos
inovadores que se perspetivam como respostas à geometria variável dos novos
cenários de tensão.
A
União Europeia (EU) adotou o documento Climate
Change and International Security (2008), destacando as oportunidades da
região ártica, quer ao nível da abertura de novas rotas comerciais, quer ao
nível de acesso a recursos naturais. A UE, em parceria com a Islândia, Noruega
e Rússia desenvolveu a estrutura North
Dimention que se traduz por uma parceria estratégica no apoio ao
desenvolvimento sustentado do Norte. A procura da individualização do Hight North, no quadro estratégico
multilateral, poderá levar à regionalização das questões do Ártico
Fonte: REKACEWICZ, Philippe, “La nouvelle géopolitique
du monde arctique”, in Le Monde Diplomatique, mai 2011.
e
à tentação de criar uma “doutrina de Monroe” para a área.
Para que Portugal tenha uma
proximidade efetiva com as questões decorrentes da relevância crescente do
Oceano Ártico, bem como do impacto quer económico, quer geoestratégico em
discussão, ver-se-ia com interesse a adesão do País a Membro Observador do
Conselho do Ártico (tal como acontece com a Espanha, França, Reino Unido,
Holanda, Polónia e Alemanha).
Texto da Convenção Montego Bay aqui!
[1] O degelo não tem tido efeito semelhante em termos
globais, caso significativo é o Polo Sul. A Antártida viu a sua massa gelada
crescer 8% desde 1978. Esta assimetria levanta interrogações sobre o processo
linear das alterações climáticas.