A
OTAN depois de Chicago
Rui Câmara Pina
A
Cimeira de Chicago, realizada em maio de 2012, serviu para implementar as
decisões de Lisboa, adotadas dois anos antes, e promover três diretrizes muito
claras para a Aliança: A Defesa Coletiva, consignada no artigo V do Tratado do
Atlântico Norte e tendo por base o Elo Transatlântico, a Gestão de Crises (onde
as Operações têm um papel fundamental num novo ambiente estratégico) e as
Parcerias.
São
estas três vertentes que aqui se afloram:
O Elo
Transatlântico
A ligação que une
os aliados europeus aos americanos permanece como um dos fulcros vitais da
Aliança desde 1949. Essa ligação foi essencial ao longo destes últimos 63 anos,
fosse com a chegada à Europa das primeiras armas nucleares táticas no início
dos anos 50 (agora chamadas de sub-estratégicas) ou com a instalação dos
Euromísseis nos anos 80.
Este elo foi posto
à prova com o desaparecimento do Pacto de Varsóvia e o desmantelamento da URSS,
mas ele continuou a ser considerado essencial para o novo papel da OTAN no
mundo. Porém, de um lado e de outro do Atlântico, a sua perceção está a atingir
novos contornos:
- Os
Norte-Americanos, principalmente os Estados Unidos da América (EUA), têm uma
perceção do mundo diferente dos Europeus, nomeadamente quanto ao Irão, que é
avaliado de maneira diferente em ambos os lados do Atlântico.
- Por sua vez,
grande parte dos Europeus estão imbuídos dos princípios da Política Europeia de
Segurança e Defesa, embora esta não tenha sido posta em prática em várias
situações, como no caso da Líbia, como de início os franceses pretendiam.
O fato de a Aliança
ser constituída por 28 Estados membros também torna a noção do elo
transatlântico mais difusa, e certamente os polacos ou os lituanos têm uma
ideia diferente dos franceses ou dos alemães sobre esta ligação. Por isso, de
um lado e do outro do Atlântico, têm-se multiplicado as queixas mútuas: Os
Americanos consideram que os Europeus não têm capacidades adequadas, enquanto
estes justificam essa lacuna devido aos problemas financeiros que assolam a
Europa.
Não é de estranhar,
pois, que se esteja a registar uma aparente ‘mudança’ na política externa
americana para a área do Pacífico/Ásia. A emergência da China e ainda alguma
desconfiança sobre os intentos de Pyongyang são razão para tal.
Em conclusão,
a situação não é tão grave como na altura da invasão do Iraque mas persistem
perceções e sensibilidades distintas que são difíceis de colmatar. Contudo,
ambos continuam a precisar um do outro: os Estados Unidos não estão no Velho
Continente por um ato de caridade, o seu interesse é ter uma Europa que os
apoie, lhes dê garantias na retaguarda e lhes possa legitimar o uso da força.
Já os Europeus necessitam da OTAN (e dos EUA) para ultrapassar as ameaças fora
do perímetro do Atlântico, pois sabem que não será a União Europeia a fazê-lo.
De momento
manter-se-á o princípio da Defesa Coletiva assente nesta ligação. Será que ele
irá ser posto à prova proximamente?
A orientação
estratégica da Aliança e a Gestão de Crises
O Conceito
Estratégico da OTAN de 1999, apesar de na altura ter sido considerado um
instrumento adequado para fazer face ao mundo do século XXI, veio ser posto em
causa logo dois anos depois com os atentados do 11 de setembro. Isso foi um
catalisador para as enormes mudanças que começaram a verificar-se e que
desembocaram no Conceito Estratégico de 2010.
É normal,
portanto, a pergunta: para onde vai a OTAN? O que será da Organização daqui a
3, 5 ou 8 anos?
Para além de
todas as discussões académicas e debates analíticos, há várias coisas que se
podem perspetivar:
·
O ambiente de
segurança é uma consequência do ambiente económico. De forma que a OTAN irá ser sempre o resultado destas duas vertentes;
·
Prevê-se que
a crise financeira dure mais tempo que qualquer outra registada após 1945,
afetando os gastos com a defesa, mesmo entre os Aliados mais ricos, como os
EUA, Reino Unido ou Alemanha. De momento, apenas quatro deles atribuem os 2%
consignados para a defesa, mas isso poderá agravar-se dentro de pouco tempo;
·
Uma potencial
instabilidade social provocada por esta crise poderá também influenciar
negativamente “a retaguarda da Aliança”, criando aquilo que alguns, numa visão
muito pessimista, apontam como a ‘balcanização’ do sul e ocidente da Europa (há
quem mencione os problemas sociais da Grécia, Espanha e Portugal);
·
A já referida
mudança dos Estados Unidos para o Continente Asiático. Claro que ela, a
verificar-se, não seria imediata nem traria a ‘desertificação’ americana da
Europa (no fundo, o inverso do que foi preconizado por Presidentes como Nixon).
E o Continente Asiático não é propriamente uma novidade para os Estados Unidos que
já aí lutaram por duas vezes desde o pós-guerra (Coreia e Vietnam).
De qualquer
forma, ao contrário de outrora, esta seria agora uma ‘opção competitiva’ e não ‘belicista’, embora a
região do Mar do Sul da China se esteja a tornar num ponto potencialmente
inflamável.
· A influência de eventos ocorridos em diferentes
regiões do mundo, desde a Rússia à Primavera Árabe (ou “Inverno Islâmico”,
dependendo da sua evolução), passando pelo Irão. Note-se que se, em
consequência duma qualquer crise no Golfo Pérsico, os iranianos fechassem o
Estreito de Ormuz, a OTAN
/EUA não poderiam ser levados a reagir.
· O Afeganistão tem sido classificado como a principal
missão militar da OTAN,
aquela que é o barómetro do sucesso da atuação da OTAN. O seu sucesso, porém, só poderá ser
avaliado após 2014, no caso de as Forças Nacionais Afegãs manterem o país fora
da órbita talibã (ou pelo menos da sua fação mais radical) e não torne o país
num novo porto de abrigo do terrorismo islâmico.
Assim, quais são as consequências que estas premissas
poderão trazer para a OTAN?
Uma primeira consequência
é que a OTAN
tornar-se-á menos global. É verdade que nunca esteve na mente dos responsáveis
da Aliança fazer da Organização o ‘polícia do mundo’, mas a OTAN irá progressivamente focar-se em
iniciativas regionais (quando os interesses Ocidentais estiverem em jogo) em detrimento
das grandes operações globais, como o Afeganistão. As ações no Oceano Índico
fazem já parte desta linha de pensamento.
A segunda consequência é que
a austeridade financeira reduzirá o número de forças de combate e impedirá a
modernização de muitos dos equipamentos militares atuais, além de criar algumas
discrepâncias notáveis. Recorde-se que os Estados Unidos gastaram nas sete
semanas de operações na Líbia o que gastam numa semana no Afeganistão.
Outra consequência é que
a Aliança tenderá a correr menos riscos e a Síria é já um exemplo disso. Daí a
importância das Parcerias pois, através de elas, pode-se empreender o treino de
forças locais, como acontece em relação à União Africana.
Uma quarta consequência é
que a OTAN, mesmo apesar de estas limitações, permanecerá como o ‘fornecedor de
força militar’ mais importante do mundo.
Outra consequência
será a confiança crescente da Aliança Atlântica nos instrumentos e capacidades
que melhor pode controlar, e que têm sido a base da ‘nova OTAN’ para melhor combater as novas
ameaças: a Defesa Antimíssil, a “Alliance
Ground Surveillance/AGS”, o Policiamento Aéreo dos Bálticos, a Nova
Estrutura de Comandos e a Defesa Cibernética.
Parcerias
A maior parte das
Parcerias da OTAN foi criada ainda nos anos
noventa, mas elas começaram a ganhar maior proeminência já neste século,
principalmente na Cimeira de Lisboa, quando foram vistas como um dos novos três
pilares da Aliança Atlântica (além de Defesa Coletiva e da Gestão de Crises).
Quando a OTAN deu início à formação das
Parcerias, muitos questionaram-se sobre a sua necessidade e importância. Mas
foi graças justamente a essas iniciativas que os Estados Unidos, a seguir ao 11
de setembro, tiveram acesso à logística militar desses países (como o
Uzbequistão e outros países da Ásia Central), o que veio a favorecer as
operações militares dos Estados Unidos e da ISAF no Afeganistão.
Certamente que as
diferentes parcerias não têm o mesmo valor para todos os 28 Aliados. O Diálogo
do Mediterrâneo, por exemplo, assume maior relevância junto de países como
Portugal, Espanha, Itália e França, do que para muitos Aliados do norte e
centro da Europa. Estes são mais sensíveis às Parcerias com a Federação Russa,
Ucrânia e Geórgia.
De início, as relações
da OTAN com os Parceiros fizeram-se
com base na partilha de valores comuns, como os ideais democráticas e o primado
do Direito. Todavia, na era atual, estas premissas já não são tomadas tão em
conta, importando mais para a OTAN
o papel que os Parceiros podem desempenhar nas suas Operações Militares
(tenha-se em conta que 10% das tropas da ISAF pertencem aos Parceiros).
O princípio da
diferenciação dos Parceiros, em que cada um destes tem um papel distinto e não
é obrigatório que representem o mesmo valor para a Aliança, começou a ser
adotada na Cimeira de Riga em 2006 e foi confirmado nas Cimeiras posteriores.
Daí que não se possa equiparar a importância (como Parceiro) do Paquistão, um
país em que o seu Exército e os seus serviços de Informação (o célebre ISI) são
acusados de estarem infiltrados por simpatizantes dos Talibans e da Al-Qaeda,
com outros Parceiros como a Austrália ou o Japão.
No seguimento do
preconizado no novo Conceito Estratégico, prevê-se que a Aliança fortaleça as
suas Parcerias e estabeleça ligações mais profundas com outras zonas do globo.
Uma delas é com países do hemisfério sul, tendo Portugal estado na vanguarda
deste movimento quando, em tempos, preconizou um relacionamento especial da OTAN
com o Brasil (embora os brasileiros não tenham retribuído esse rol de
intenções), enquanto são conhecidas os desejos espanhóis em aproximarem a OTAN
de alguns países da América do Sul, como a Colômbia. Ainda em relação ao
hemisfério sul, alguns Aliados têm defendido uma aproximação com a grande
potência da África Austral, a África do Sul, constituindo a recente visita do
Presidente Zuma a Bruxelas um sinal dessa aproximação; tenha-se em conta que a
situação nalgumas zonas africanas (como no Congo e no Mali) tem dado sinais de
crescente instabilidade, e Pretória ocupou recentemente a presidência da União
Africana.
Em suma, num mundo
crescentemente mais global, as Parcerias tornaram-se um instrumento fundamental
para a “nova OTAN”. O Novo Conceito Estratégico
basear-se-á na Defesa Coletiva (onde se nota a crescente importância do artigo
IV, que fala de consultas entre os Membros), na Gestão de Crises e na
Cooperação através de Parcerias, trilogia fundamental para o sucesso das
Operações militares da OTAN.